03 de Maio/Segunda Feira
Revejo fotos do meu pai e tento comparar-me ao homem preservado ali. Faço paralelo com fisionomias e miro em seus olhos o tempo em que tinha a idade que estou hoje. Fiquei perecido com ele. O que meu velho pensava sobre satisfação? Quais angústias o assombravam nas madrugadas? O que meditava ao escanhoar o pescoço? Como encarava a morte?
Eu já disse adeus a muitos amigos. Gente que reverenciei se antecipou para entregar o óbulo ao balseiro de Creontes. Pronuncio os meses soletrando cada vogal com vagar. Sei que é inútil tentar atrasar ponteiros. O arrastar das horas sulcou a minha carne para semear a semente do desencanto. O tempo fustigou os meus olhos com as dores do mundo. Mas mesmo assim, contundido como um Jacó manco, aceito o convite para a festa da velhice.
Claudicante e hesitante, pressinto o epílogo que encerrará a trama de minha existência. Ouvi dizer que as dores do velho são pungentes porque nunca machucam aviltosamente. Aprendi que o sono dos velhos é curto; vou ter saudade da adolescência; eu dormia em excesso e como era delicioso acordar na hora do almoço.
Sei que a memória dos idosos se aguça, fica nítida com fatos antigos. Espero que sim. Preciso esquecer a torpeza humana desses últimos anos. Fui pungado de horas e horas quando poderia dedicar-me ao belo. Uma amnésiazinha básica cairá bem para distanciar-me de religiosos nefastos que tentaram infectar a minha alma com vingança. Felicíssimo, recordarei detalhes sobre a amizade que tive com o Roberto, o Titão, o Elmar, o Martagão, o Antônio José,o Junior. Vou rir muito.
Faltam poucos anos – Deus me conceda vida! – para eu desabafar um monte de ideias, doidices, heresias, reflexões e percepções que só os velhinhos têm direito. Os avós são livres para falar asneiras sem temerem o tacão inclemente dos críticos. Protegidos por cãs brancas, eles divagam sobre beleza, ternura e bondade com outra largueza. Anseio pela singeleza dos vovôs que contam histórias, narram casos e fantasiam mundos irreais. Como deve ser bom não precisar conquistar o mundo.
Ultimamente ando assim, nostálgico. A morte súbita do Allison chagou o meu coração. Ainda penso que vou telefonar e indicar o próximo livro que ele deve ler; Como é duro não tê-lo por perto para conversarmos sobre poesia. De repente, a morte deixou de ser um perigo improvável. Ele me esbofeteou e avisou: “Cuide-se, eu também rondo a sua casa”.
Não tenho medo dessa bruxa encapuzada. Não tento enganar a mim mesmo imaginando que sou inalcançável. Não passo de flama de “um círio em uma catedral em ruínas”; mas estou disposto a arder até o fim, celebrando cada instante como se fosse o último.
Soli Deo Gloria
30-03-10
Fonte: http://www.ricardogondim.com.br
Revejo fotos do meu pai e tento comparar-me ao homem preservado ali. Faço paralelo com fisionomias e miro em seus olhos o tempo em que tinha a idade que estou hoje. Fiquei perecido com ele. O que meu velho pensava sobre satisfação? Quais angústias o assombravam nas madrugadas? O que meditava ao escanhoar o pescoço? Como encarava a morte?
Eu já disse adeus a muitos amigos. Gente que reverenciei se antecipou para entregar o óbulo ao balseiro de Creontes. Pronuncio os meses soletrando cada vogal com vagar. Sei que é inútil tentar atrasar ponteiros. O arrastar das horas sulcou a minha carne para semear a semente do desencanto. O tempo fustigou os meus olhos com as dores do mundo. Mas mesmo assim, contundido como um Jacó manco, aceito o convite para a festa da velhice.
Claudicante e hesitante, pressinto o epílogo que encerrará a trama de minha existência. Ouvi dizer que as dores do velho são pungentes porque nunca machucam aviltosamente. Aprendi que o sono dos velhos é curto; vou ter saudade da adolescência; eu dormia em excesso e como era delicioso acordar na hora do almoço.
Sei que a memória dos idosos se aguça, fica nítida com fatos antigos. Espero que sim. Preciso esquecer a torpeza humana desses últimos anos. Fui pungado de horas e horas quando poderia dedicar-me ao belo. Uma amnésiazinha básica cairá bem para distanciar-me de religiosos nefastos que tentaram infectar a minha alma com vingança. Felicíssimo, recordarei detalhes sobre a amizade que tive com o Roberto, o Titão, o Elmar, o Martagão, o Antônio José,o Junior. Vou rir muito.
Faltam poucos anos – Deus me conceda vida! – para eu desabafar um monte de ideias, doidices, heresias, reflexões e percepções que só os velhinhos têm direito. Os avós são livres para falar asneiras sem temerem o tacão inclemente dos críticos. Protegidos por cãs brancas, eles divagam sobre beleza, ternura e bondade com outra largueza. Anseio pela singeleza dos vovôs que contam histórias, narram casos e fantasiam mundos irreais. Como deve ser bom não precisar conquistar o mundo.
Ultimamente ando assim, nostálgico. A morte súbita do Allison chagou o meu coração. Ainda penso que vou telefonar e indicar o próximo livro que ele deve ler; Como é duro não tê-lo por perto para conversarmos sobre poesia. De repente, a morte deixou de ser um perigo improvável. Ele me esbofeteou e avisou: “Cuide-se, eu também rondo a sua casa”.
Não tenho medo dessa bruxa encapuzada. Não tento enganar a mim mesmo imaginando que sou inalcançável. Não passo de flama de “um círio em uma catedral em ruínas”; mas estou disposto a arder até o fim, celebrando cada instante como se fosse o último.
Soli Deo Gloria
30-03-10
Fonte: http://www.ricardogondim.com.br
Bravo! Bravo!
Esperei tanto pra ver um poeta cristão
Enfim encontrei o cidadão
Bom é quando escrevemos do fundo do coração
E arrancamos lágrimas de uma multidão
Bravo! Bravo!
Parabéns, ó nobre cidadão.