08 de Maio/Sábado
Pela Pátria:
No fim do século 18, após a Revolução Francesa, passou-se a acreditar que um país poderoso era aquele com muitos habitantes. Cada criança era um futuro soldado, trabalhador, contribuinte. Ser mãe era questão patriótica. O feto foi transformado em entidade autônoma pelas descobertas científicas e, à luz das necessidades políticas, em futuro cidadão, escreveu a jurista Giulia Galeotti, em História do Aborto. Isso se refletiu no Brasil do início do século 20. O papel da mulher é reconsiderado, por sua importância para projetos nacionais, diz Fabíola Rohden, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Luiz Lima Vailati, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e professor da Fundação Armando Alvares Penteado, diz que, apesar da força da Igreja, o aborto sempre foi praticado. Sua prática cresceu inclusive no Brasil, mesmo no século 19, quando Estado e Igreja enfatizam a proteção do feto e aumentam a repressão ao procedimento. Na Inglaterra, famílias mais pobres recorriam a ele, e depois a classe média, para garantir um padrão de vida economicamente seguro.
A Itália fascista reprimiu o controle de natalidade a partir de 1926. Os nazistas estimularam a reprodução da "raça pura", enquanto tentavam impedir nascimentos entre os povos dominados. Em 1942, no gueto de Kovno, na Lituânia, um decreto condenou à morte todas as judias grávidas. O rabino Ephraim Oshry permitiu o aborto. Os judeus não aceitavam, mas o rabino podia autorizá-lo em casos extremos. Em 1936, 16 anos após a revolução bolchevique legalizá-la, a União Soviética de Stálin voltou a proibir a prática. Em 1943, na França, a parteira Marie-Louise Giraud foi guilhotinada por ter interrompido 26 gestações: o aborto era ameaça ao Estado.
As décadas seguintes à Segunda Guerra foram de revolução sexual, graças à pílula anticoncepcional. O feminismo, surgido no século 19, ganhou força. Nos anos 60, a prática virou bandeira do direito civil e muitos países o legalizaram. Os novos ventos sopraram até no Vaticano, e uma comissão convocada pelo papa João XXIII aprovou a pílula, que, no entanto, continuou proibida pela encíclica Humanae Vitae, de 1968. O interessante, diz Vailati, é que, a partir dos anos 60, Igreja e médicos substituíram argumentos religiosos por científicos.
No fim do século 20, o controle político do aborto evidenciou-se. Nos Estados Unidos, onde a lei varia entre os estados, as clínicas de aborto têm vidro blindado. Após a revolução de 1979, o aiatolá Khomeini proibiu a prática em qualquer situação no Irã (no Islã, é aceito até o quarto mês ou para salvar a mãe). A diferença entre o início da vida para alemães orientais e ocidentais obrigou a criação de uma lei sobre o aborto, para a unificação dos países, em 1990. Na China, que proíbe mais de um filho, a interrupção da gravidez é quase obrigatória.
Não creio que a discussão vá cessar, diz Giulia Galeotti. Mesmo o Juramento de Hipócrates ainda gera discussões: os favoráveis à prática atribuem sua condenação ao fato de o aborto, na época, oferecer mais riscos que o parto. Um debate interminável, como devia prever São Jerônimo (342-420). O homem que converteu ricas matronas romanas ao cristianismo não conseguiu deixá-las contra o aborto. Chocou-se ao ouvir delas: Todas as coisas são castas para os castos. A aprovação da minha consciência basta-me.
Fonte: http://historia.abril.com.br/
Pela Pátria:
No fim do século 18, após a Revolução Francesa, passou-se a acreditar que um país poderoso era aquele com muitos habitantes. Cada criança era um futuro soldado, trabalhador, contribuinte. Ser mãe era questão patriótica. O feto foi transformado em entidade autônoma pelas descobertas científicas e, à luz das necessidades políticas, em futuro cidadão, escreveu a jurista Giulia Galeotti, em História do Aborto. Isso se refletiu no Brasil do início do século 20. O papel da mulher é reconsiderado, por sua importância para projetos nacionais, diz Fabíola Rohden, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Luiz Lima Vailati, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e professor da Fundação Armando Alvares Penteado, diz que, apesar da força da Igreja, o aborto sempre foi praticado. Sua prática cresceu inclusive no Brasil, mesmo no século 19, quando Estado e Igreja enfatizam a proteção do feto e aumentam a repressão ao procedimento. Na Inglaterra, famílias mais pobres recorriam a ele, e depois a classe média, para garantir um padrão de vida economicamente seguro.
A Itália fascista reprimiu o controle de natalidade a partir de 1926. Os nazistas estimularam a reprodução da "raça pura", enquanto tentavam impedir nascimentos entre os povos dominados. Em 1942, no gueto de Kovno, na Lituânia, um decreto condenou à morte todas as judias grávidas. O rabino Ephraim Oshry permitiu o aborto. Os judeus não aceitavam, mas o rabino podia autorizá-lo em casos extremos. Em 1936, 16 anos após a revolução bolchevique legalizá-la, a União Soviética de Stálin voltou a proibir a prática. Em 1943, na França, a parteira Marie-Louise Giraud foi guilhotinada por ter interrompido 26 gestações: o aborto era ameaça ao Estado.
As décadas seguintes à Segunda Guerra foram de revolução sexual, graças à pílula anticoncepcional. O feminismo, surgido no século 19, ganhou força. Nos anos 60, a prática virou bandeira do direito civil e muitos países o legalizaram. Os novos ventos sopraram até no Vaticano, e uma comissão convocada pelo papa João XXIII aprovou a pílula, que, no entanto, continuou proibida pela encíclica Humanae Vitae, de 1968. O interessante, diz Vailati, é que, a partir dos anos 60, Igreja e médicos substituíram argumentos religiosos por científicos.
No fim do século 20, o controle político do aborto evidenciou-se. Nos Estados Unidos, onde a lei varia entre os estados, as clínicas de aborto têm vidro blindado. Após a revolução de 1979, o aiatolá Khomeini proibiu a prática em qualquer situação no Irã (no Islã, é aceito até o quarto mês ou para salvar a mãe). A diferença entre o início da vida para alemães orientais e ocidentais obrigou a criação de uma lei sobre o aborto, para a unificação dos países, em 1990. Na China, que proíbe mais de um filho, a interrupção da gravidez é quase obrigatória.
Não creio que a discussão vá cessar, diz Giulia Galeotti. Mesmo o Juramento de Hipócrates ainda gera discussões: os favoráveis à prática atribuem sua condenação ao fato de o aborto, na época, oferecer mais riscos que o parto. Um debate interminável, como devia prever São Jerônimo (342-420). O homem que converteu ricas matronas romanas ao cristianismo não conseguiu deixá-las contra o aborto. Chocou-se ao ouvir delas: Todas as coisas são castas para os castos. A aprovação da minha consciência basta-me.
Fonte: http://historia.abril.com.br/
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