Eunucos: Ora, bolas! (Parte 1)
30 de Junho/Quarta Feira

por Eliza Muto e Roberto Navarro

Atualmente parece loucura, mas tornar-se eunuco, ou seja, castrar-se parcial ou totalmente, já foi um meio de vida, uma profissão. A tradição de contratar homens castrados nos palácios e haréns vem do mundo antigo, mas atravessou o tempo e o espaço, passou por Roma e Grécia, pelos fenícios do norte da África e chegou à Europa do século 20. Em nenhum lugar, porém, a presença dos eunucos foi mais marcante quanto na China imperial. Um velho ditado diz que lá só havia uma coisa pior do que nascer mulher – era virar eunuco. Pu Yi (1906-1967), o último imperador, registrou em seu diário que espancá-los fazia parte da rotina e que, para espantar o tédio, atirava neles com sua espingarda de chumbinho.

Mas nem sempre foi assim. Os eunucos apareceram por volta de 1050 a.C., durante a dinastia Chou – que, segundo a tradição, teria durado de 1122 a.C. a 255 a.C. –, quando a castração foi incluída nos códigos legais chineses como forma de punição. Além de castrados, os condenados eram obrigados a trabalhar de graça abrindo estradas, construindo pontes e servindo aos nobres. Essa tradição atravessou os séculos e, embora em sua maioria os castrados fossem analfabetos e trabalhassem em serviços braçais, com o tempo passaram a controlar a burocracia, fazendo fortuna e conseguindo prestígio e poder. “Em pelo menos três dinastias, os eunucos governaram de fato a China, tamanha sua influência”, diz o historiador japonês Taisuke Mitamura, da Universidade de Kioto. “Dos nove imperadores que reinaram durante os últimos 100 anos da dinastia Tang (de 618 a 907), sete chegaram ao trono por meio de conspirações de eunucos da corte, e os outros dois foram assassinados por eles, depois de contrariar seus interesses.”

Foi na dinastia Ming, que coincide com o apogeu do poder imperial na China, que a demanda por eunucos cresceu. Os Ming expandiram a grande muralha, estabeleceram um reinado estável e construíram em Pequim o complexo de palácios conhecido como Cidade Proibida, centro de seu império, que estendeu-se ao norte pela Coréia e Mongólia, e ao sul até o atual Vietnã.

Nessa época, as normas do palácio real proibiam a presença de homens não castrados nos aposentos das esposas e concubinas imperiais. Ao escurecer, todos os homens deviam deixar a Cidade Proibida, onde só permaneciam o imperador, suas esposas e concubinas, e os eunucos. Além de pajear o mulherio, eles eram também os serviçais pessoais do imperador, encarregados de banhá-lo, vesti-lo, trazer o penico para que ele pudesse se aliviar, limpar seu traseiro, cozinhar, servir as refeições, transportá-lo no colo ou em palanquins e providenciar-lhe entretenimento. Alguns eram ordenados sacerdotes para atender às necessidades espirituais do harém.

A castração voluntária era uma forma de escapar da miséria e os filhos de camponeses davam-se ao sacrifício em nome da família. Numa campanha de recrutamento de 1540, para 3 mil vagas surgiram 20 mil candidatos. “Mas havia eunucos e eunucos. E, se havia aqueles que desempenhavam funções indesejáveis, como a de carrasco, havia servidores públicos graduados, responsáveis, entre outras coisas, pela coleta de impostos”, diz Mitamura. Jovens de famílias ricas também se interessavam pelo posto, de olho em cargos de prestígio, como administradores, diplomatas e comandantes militares. Chuo Chung Chi, um cronista (e eunuco) que viveu no fim da dinastia Ming, relata que os castrados monopolizavam os projetos de construção por todo o país, incluindo as obras na casa do próprio imperador. Com tanta demanda, o recrutamento atraía multidões. Em um deles, em 1580, foram admitidos 70 mil eunucos. Na época, o harém real tinha 9 mil mulheres e 100 mil castrados trabalhavam lá.

Embora nunca mais o número de eunucos viesse a ser tão grande, eles permanecer na dinastia Ching (1644 a 1911) como funcionários influentes e ricos. “Não há o que fazer na China sem uma autorização ou indicação de nobres eunucos”, escreveu George C. Stent, acadêmico inglês que viveu em Pequim durante o século 19. Stent foi o primeiro a descrever em detalhes os procedimentos cirúrgicos da castração. No livro Essay (“Ensaio”, inédito em português), de 1877, ele conta que a castração era realizada por especialistas “licenciados pelo governo, organizados numa profissão hereditária”. Segundo ele, a cirurgia custava 6 taéis (pouco mais de 80 dólares em valores atuais) e os consultórios ficavam em cabanas nas imediações do portão ocidental da Cidade Proibida.

O castrado era obrigado a andar por duas horas para evitar coágulos e proibido de beber líquidos por três dias, para não urinar. “Os cirurgiões eram tão habilidosos que apenas 5% dos pacientes morriam”, diz o historiador americano Edward Behr, autor do livro O Último Imperador.

Depois de removidos, os genitais eram submetidos a um tratamento para preservá-los em salmoura – como se fossem pepinos em conserva –, eram colocados numa vasilha e devolvidos ao dono, que precisava apresentá-los aos superiores no palácio, comprovando a castração. A vasilha com a genitália podia ser solicitada durante uma inspeção, ou sempre que o funcionário fosse promovido. Esta exigência gerou um mercado paralelo de genitais removidos. Em caso de perda ou furto – não era raro um eunuco roubar e destruir o “precioso” do rival, para impedir o avanço de sua carreira – era preciso substituí-lo, pedindo emprestado a outro eunuco ou recorrendo a cirurgiões inescrupulosos que coletavam genitais extirpados para alugá-los ou vendê-los a preços que podiam chegar a 50 taéis.

Em 1911, a revolução republicana forçou a abdicação de Pu Yi. Embora tenham eliminado as instituições do antigo regime, os novos governantes permitiram que o imperador continuasse vivendo na Cidade Proibida com os eunucos. Em 1949, quando os comunistas tomaram o poder, os castrados viraram símbolo da decadência e foram isolados em asilos. O último eunuco chinês morreu em1996, pouco antes de completar 94 anos de idade, num templo em Pequim, onde vivia.

Fonte: http://historia.abril.com.br

Faça um blogueiro feliz comente Related Posts with Thumbnails
1 Response
  1. ...ainda bem que os tmp mudaram, a castração hoje em dia deveria ser aplicada como pena pra determinados crimes...

    Deus abençoe vcs... seu blog tá lindo!