Diário do Hospital do Câncer I
27 de Abril/Terça Feira

Muriaé, 31 de março de 2010

Estou no hospital com a Nati desde domingo, dia 28. Ontem, de dia, a Soninha ficou com ela e, na noite passada, a Arlete.

Saí para dar uma volta de menos de dois minutos. No vazio e no silêncio do pátio da Fundação e da Faculdade eu quis ouvir a voz de Deus, mas o que eu ouvi foi uma vontade interior de ter para quem ligar – a essa hora. Um nome me veio à cabeça, mas seria engraçado se ele viesse a ser a pessoa para quem eu ligaria nessa situação.

Acho que estou com medo (não sei de quê. Pensei em algumas possibilidades e não cheguei a nenhuma conclusão). Estou pensando por que estou aqui. A resposta para isso deve ser minha humanidade fazendo as contas do quanto vou perder. Os “ais” da Nati já não me geram compaixão, mas sim raiva, irritação. Isso, provavelmente não é só falta de amor, mas também cansaço.

Sei que muito do que ela faz é para eu não dormir e não sei ao certo por que ela quer isso. Em Viçosa, eu achava que era só de sacanagem, maldade, aqui eu acho que ela tem medo de ficar sozinha, mas não sei se é só isso. Acho que ela realmente está sentindo dor, ela já tomou quatro doses de morfina e não resolveu. Tenho dúvidas se brigo por uma ampola de 10 mg (ela tomou quatro de 1 mg) ou se não é dor o que ela está sentindo. Ela quer dormir. Eu não quero dormir, eu realmente queria ficar acordada ao lado dela. Queria não sentir sono para não deixá-la sozinha.

O que é a Nati hein!? O que ela é? Para quê? Por quê?

A dona Nati é a prova de que eu não posso amar como Deus ama. Eu orei muito tempo para que Deus me ensinasse a amar como ele ama. Acho que ele usou a Nati para responder que isso é impossível… impossível para mim.

Esses dias, na Escola Dominical, tentamos descrever o que é o amor. Acho que só é possível tentar. Deus é amor e não é possível explicar Deus; Deus amou o mundo de tal maneira que realizou uma loucura que é incompreensível à mente humana; Deus ama de uma forma que nos constrange.

O Lelê dizia que amor é prático. Amor é ação. Amor é fazer. Mas, hoje, eu discordo um pouco dele. É, mas não é só isso. Eu estou fazendo: estou em Muriaé, acompanhando uma “amiga” em fase “terminal” de câncer, perdendo, no mínimo, quatro dias de trabalho e três reuniões importantíssimas (nas quais estou tentando não pensar), fora o dinheiro desses dias (importante, inclusive, para Nati); doando horas de sono e de lazer; e fiquei irritada com tanto barulho, tanto “ais” que ela já deu durante essa noite. Estou amando? Será que o meu fazer expressa o meu amor? Será que a minha compaixão, pelo telefone, deitada em minha cama quente, em casa, não seria o amor? Será que nenhum dos dois, por si só, é o amor? É amar?

Eu sei amar?

Eu sei que eu não quero morrer sozinha. Antes isso era apenas uma coisa na qual eu pensei quando decidi ficar aqui, será que agora não é a recompensa que eu espero receber?

Sei que eu gostaria de ouvir a voz de alguém dizendo que me ama. Acho que, nesse momento, me ajudaria a amar.

Tábata Mori
31/03/2010 – 03h22
Muriaé – Fundação Cristiano Varella

Fonte: http://blig.ig.com.br/ex_pressao Related Posts with Thumbnails
1 Response
  1. TEOTERENCIO Says:

    A paz do Senhor!
    é muito revigorante o texo acima, muito bom!
    Ah! tive que divulgar o seu blog, no finalzinho do meu, porque não cabe o link ao lado, dá uma olhadinha lá meu irmão!
    http://jeovanirmendonca.blogspot.com/