Entrevista Com Maria Madalena
09 de Março/Terça Feira

Há um consenso entre os estudiosos do cristianismo antigo: Maria Madalena realmente existiu. O seu segundo nome indica que ela nasceu em Magdala, na Baixa Galiléia, região considerada o berço do movimento de seguidores de Jesus Cristo. Madalena fez parte do núcleo de discípulos que acompanharam o líder religioso desde o início de suas pregações. A primeira referência bíblica a ela surge no Evangelho de Marcos, mas o grande acontecimento atribuído a sua vida está na narrativa de João. Lá podemos ler que ela foi a primeira pessoa a ver e anunciar a ressurreição de Jesus. Essa primazia fez com que Madalena se tornasse referência para os fiéis da então jovem religião. Desde o século 2, seu nome é motivo de debate entre os cristãos. Enquanto alguns a tacharam de pecadora, outros a vêem como uma mulher independente e com espírito de liderança. Uma das controvérsias é a de que, por mais que Madalena tenha sido tão importante na origem do cristianismo, as mulheres seguem proibidas de ser sacerdotes. Nesta entrevista, ela não foge de polêmicas e ainda desmente as fofocas sobre sua intimidade com Jesus.

História - O público foi surpreendido pelas informações trazidas pelo livro O Código Da Vinci. Um dos momentos mais polêmicos está associado ao fato de você ter sido casada com Jesus e de ter tido uma filha com ele. Isso é verdade?

MARIA MADALENA - De maneira nenhuma. Até porque Jesus era celibatário, a exemplo de muitos outros judeus da sua época, como João Batista. Ao redor do nosso líder foram estabelecidos três grandes círculos de seguidores. Primeiramente, havia os que simpatizavam com suas idéias, mas nunca desejaram ser seus discípulos em tempo integral. A seguir, vinham aqueles que entravam e saíam do seu movimento a qualquer momento. Finalmente, havia os que deixaram para trás seus bens e o acompanharam durante seu ministério. Eu, juntamente com outras mulheres e homens, fazíamos parte deste último grupo, e fomos denominados “apóstolos”. Acredito que essa minha proximidade com Jesus e meu papel destacado no interior desse círculo tenham produzido a falsa impressão de que eu seria esposa dele, o que não é verdade. Nossa relação foi estritamente espiritual.

Compreendo. Mas como entender a informação, contida no evangelho apócrifo de Felipe, de que Jesus tinha por hábito beijar a senhora na boca?

O cristianismo deve ser entendido como um movimento plural, já que houve (e ainda há) várias formas de entendê-lo e de explicá-lo. O Evangelho de Felipe, achado no Egito em 1945, pertence a um grupo de cristãos que pensava a mensagem de Jesus a partir de um entendimento muito particular. Para eles, a vida podia ser traduzida em dois níveis: o material e o espiritual. O primeiro era considerado impuro, enquanto que o segundo era puro. O beijo na boca seria uma forma pura de transmitir o conhecimento espiritual que está dentro de um ser humano para o interior de outro ser humano, sem que tal conhecimento entrasse em contato com o mundo. O que me chama a atenção é que o mesmo Evangelho de Felipe diz que discípulos do sexo masculino se beijavam entre si com freqüência, e nem por isso há pessoas falando que eles mantinham relações homoeróticas ou algo parecido.

Qual a sua opinião sobre o fato de o papa Gregório, no século 6, ter imposto à senhora a pecha de prostituta arrependida?

Essa é uma confusão antiga, que tem a ver com os valores de honra e vergonha, muito presentes no Mediterrâneo. O fato de Jesus ter tido mulheres no seu círculo íntimo implicava um peso de desonra para todas nós, principalmente porque, para segui-lo, nós deixamos tudo para trás. Como não estávamos submissas a nenhum homem, éramos criticadas por aquela sociedade predominantemente masculinizada. Por outro lado, a interpretação do papa Gregório é fruto de uma leitura bastante equivocada de passagens do Evangelho de Lucas. Setores do cristianismo me confundiram com uma prostituta cujos pecados Jesus perdoou, conforme a cena descrita na Bíblia. Mas isso não aconteceu comigo. Eu fui libertada de sete demônios, é outra coisa. Na minha opinião, esse equívoco não foi nada involuntário. Ele ajudou a reforçar o quadro de que mulheres, no interior das igrejas, devem ser afastadas do púlpito e têm que estar subordinadas aos homens. Infelizmente, ainda hoje, muitos cristãos pensam assim. A mim só resta rezar por eles.

A senhora e outras mulheres estiveram presentes no momento da crucificação de Jesus. No entanto, a maioria dos discípulos não permaneceu muito tempo lá – ou pelo menos não chegou a ficar tão próximo da cruz. De que forma a senhora interpreta essa atitude?

Veja bem... a minha opinião já não me parece tão relevante, depois de tanto tempo. Agora, como os cristãos de hoje vêem esse fato, isso sim me parece fundamental. Talvez eles pudessem pensar no quanto nós mulheres fomos importantes no movimento de Jesus. Pensar no quanto, mesmo num momento de sufoco, nós fomos corajosas e não arredamos o pé. E, principalmente, pensar no quanto é esdrúxula e absurda essa visão que proíbe nós mulheres de exercermos o sacerdócio.

Ao falar da morte de Jesus, fica muito difícil não perguntar sobre a ressurreição. Afinal, quem o viu ressurgir pela primeira vez? A senhora ou Pedro?

O importante não é quem teve essa primazia, mas o fato de uma mulher estar associada a essa experiência. Acho que esse aspecto deveria fazer com que os muitos crentes das diversas denominações cristãs, que ainda insistem na visão exclusivista de uma igreja hierarquicamente pensada para homens, revissem as suas idéias.

Autor: *André Chevitarese é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq. Fascinado pelas origens do cristianismo, ele escreve e dá cursos sobre o assunto. Deu palestra para o elenco de “Maria, Mãe do Filho de Deus” e foi consultor de “Irmãos de Fé”, filmes dirigidos por Moacyr Góes.

Fonte: Revista Aventuras na História Related Posts with Thumbnails
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